30-11-2004

“Danny”, memórias de um leucémico…

UM LIVRO CABO-VERDIANO QUE É DOLOROSO DEPOIMENTO

Danny” é o lacónico título do livro, de cerca de 60 páginas, que será dentro de semanas publicado em S. Vicente. A autora, Grace Beatrix, uma mindelense radicada na Holanda há mais de 30 anos, fez-se deslocar à sua ilha para prover à sua edição, já que nenhuma casa se interessou pela publicação deste singular livro dentro da literatura cabo-verdiana…

A história pode reduzir-se à luta de um jovem e inteligente estudante de 20 anos contra uma doença hoje silenciada, mas que continua a matar e a nos consumir com a mesma fúria de ontem – o cancro do sangue. O livro, escrito em forma de diário, relata os sofrimentos e angústias de Danny, desde o dia em que deu entrada no Hospital de S. Vicente e termina num hospital de isboa, a 5 de Dezembro de 2003, duas horas depois do registo da última conversa com o doente.

Será a própria autora a fazer a apresentação da obra, mas Graciete, como é conhecida no meio mindelense, permitiu-nos que a antecipássemos para os nossos leitores: “Danny, o livro que escrevi sobre um rapaz de 20 anos que morreu de leucemia em Dezembro passado, é um livro cheio de emoções, onde cada palavra tem um significado. Descrevi os sofrimentos do Danny para que ele os pudesse ler quando estivesse bom ( como tínhamos fé), mas, infelizmente, as coisas correram doutra forma”. Danny faleceu dois dias depois de Graciete ter conseguido das autoridades que o doente pudesse continuar os tratamentos na Holanda.

Sempre que a doença lhe permitia, o jovem cabo-verdiano ia passando para o papel o que lhe vinha à memória, pois as repetidas e dolorosas quimioterapias faziam-no esquecer muita coisa. Parte do livro é, aliás, formado pelos próprios textos que o Danny ia escrevendo para passar o tempo e entreter a solidão hospitalar. Ficamos assim a saber como recebeu os resultados médicos: “Na quinta-feira, a médica me chamou ao seu gabinete para falar, e foi lá que ela me disse que tipo de doença eu tinha e que tratamentos eu teria de fazer, era uma LEUCEMIA AGUDA, deu vontade naquela hora de chorar mas não o fiz, apesar de, de alguma forma, já estar um pouco à espera, mas eu nunca queria acreditar que aquilo estava a acontecer comigo”. Segue-se a descrição da transferência para a UTM, a unidade de transplante de medula, onde seria submetido ao transplante e a angustiosa espera por um doador compatível. Mas a operação não traz os resultados esperados.

“Durante dois meses e pouco continuei a fazer análises e estava indo tudo bem mas, nestes últimos tempos, as plaquetas têm vindo a diminuir e os médicos para saberem o que é que se está passando, porquê as plaquetas continuam a descer muito, foram fazer-me outro medulograma e a minha medula já não estava tão boa, estava com o aspecto quase igual à minha medula antes do transplante, ou seja, aconteceu-me o pior”.

Danny tem de recomeçar tudo de novo: quimioterapias e mais quimioterapias. “Talvez em Dezembro faça outro transplante e por isso ainda vou ficando por aqui, por mais que me custe e as saudades me apertem”, escreve numa das últimas páginas que nos deixou. Seu corpo debilitado não resiste à desumana terapia e, poucos dias antes da ansiada operação, morre algumas horas depois da derradeira conversa com Graciete.

A autora irá aproveitar a sua estada em Cabo Verde para chamar a atenção das pessoas para a necessidade de acções de prevenção contra o cancro, mas também de apoio aos portadores desta doença – tanto do Governo, na melhoria das condições a que os doentes cabo-verdianos estão sujeitos em Portugal, como da Embaixada de Portugal, na facilitação de visto aos familiares, pois Danny morreu com vontade de ver seus familiares que não puderam visitá-lo por não terem conseguido o necessário visto, lamenta Graciete.

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