15-11-2006

Postal de Lisboa
Por Otília Leitão*

Grace, uma caboverdiana que vive na Holanda e que visita, em hospitais,pessoas afectadas pelo cancro oferecendo-lhes “momentos de felicidade” ao maquilhar os seus rostos e restituir-lhes um bom aspecto, deixou desconfiados os donos da pensão “25 de Abril”, no 123 da Rua de S. Paulo, que, em tom ameaçador, lhe exigiram o passaporte por ter ousado visitar os doentes que ali se acolhem. Vêm de Cabo-Verde, quase sempre em fase adiantada da doença e aqui ficam à espera de operação ou tratamentos, num clima solitário e sem afectos, no bafio de quartos esburacados onde as pessoas dormem e cozinham os seus alimentos, promiscuidade a exigir a intervenção dos governos português e cabo-verdiano no sentido de encontrar uma melhor cooperação na saúde e prevenir esta indignidade.

Uma mulher falava permanentemente nos seus sete filhos deixados em Cabo Verde, e um rapaz dizia receoso que só podiam falar através da Embaixada. O problema foi mediatizado o ano passado, vergonha que terá obrigado os mesmos donos a encerrar idêntico lar na Marquês da Fronteira e a juntar àquele os seus doentes. As pessoas pagam 200 euros por mês, às vezes várias no mesmo quarto, e sendo subsidiadas de forma tão insuficiente, por vezes, vêem-se obrigadas a arranjar trabalhos precários.

Grace Beatriz, conhecida pela militância com que tem apresentado, em diversos países, o livro “Saudades de Danny” – relato do passar dos dias de solidão sobre um jovem cabo-verdiano que sonhava ser economista mas morreu em Portugal com leucemia, sem que pudesse ver a sua família, apesar de conseguidos apoios financeiros – ficou indignada, tendo tirado várias fotos sobre o ambiente degradado em que são deixadas essas pessoas.

Estilista de beleza e habituada a maquilhar o meio artístico, Grace possui um sentido de estética humana a que todos têm direito e ainda não perdeu o sonho de ser antropóloga. Tem vindo desde o ano passado, após a morte do jovem a quem se dedicou, a mobilizar esforços para concretizar através da “ Fundação Danny”, criada em memória, deste jovem levado pela leucemia uma associação de apoio aos doentes cancerosos cabo-verdianos em Portugal.

Em Lisboa, em dia de finados, Grace procurou o café que frequentava quando, aos 18 anos , estudante-trabalhadora , comia muitas vezes um simples bolo de arroz como refeição. Ali, esta mulher exótica , mãe de dois universitários, disse tencionar escrever a sua vida.Gosta de coisas simples e sobretudo de fazer os outros felizes. No livro “Saudades de Danny” que me ofereceu e que disse ser “um grito” e uma chamada de atenção para que as pessoas doentes não sejam deixadas ao abandono pelas suas famílias, é sobretudo admirável o altruismo com que diversas vezes se deslocou da Holanda a Lisboa, para visitar o Dany. Foram tantos os telefonemas que lhe fez quando regressava à sua casa e tão pluridisciplinar a rede de contactos que envolveu, ao longo de um ano, para que o Danny se curasse. Arranjar um computador para que o jovem comunicasse com o exterior, comprar-lhe a camisa azul de que tanto gostava, ou levâ-lo a um restaurante para comer o bife com batatas fritas que apreciava, parecem coisas simples, sonhos banais.Tão simples e tão banais… mas tão importantes… que só Grace os concretizou. Continua Grace, fica a tua lição.

Teresa Noronha

> Postal de Lisboa

Querida Otília Conheci a Grace quando lançou na Associaçao Caboverdiana de Lisboa o seu livro “Saudades de Dany”. Foi uma experiência marcante e na altura eu mesma tinha tido uma semelhante com um jovem que também veio de Cabo Verde e acabou por morrer em Portugal. Não me entreguei como a Grace e por isso o exemplo dela me tocou tão fundo; vivemos a correr, divididos entre o trabalho e as obrigações domésticas, demasiado virados para os nossos problemas sem nos lembrarmos que um pequeno gesto pode fazer uma enorme diferença na vida de outro ser humano. A Grace é uma mulher incrível, linda, solidária, corajosa e tu, minha amiga soubeste, como sempre,captar com a tua sensibilidade e facilidade de comunicação, uma história de vida que comporta em si um universo rico em vivências. Por isso aqui vai um poema que na altura fiz para o Dany ainda sob a emoção do lançamento do livro. Um beijo grande para todas as pessoas que trilham o caminho da solidariedade e que conseguem com isso aquecer outros corações e minorar sofrimetnos alheios. Outro, igualmente grande, para quem consegue, através das suas crónicas, retratar esses exemplos e semear desconforto nos corações empedrenidos… Para ti, um beijo enorme da tua amiga Teresa Noronha

Para o Danny

Eram tão poucos os que quiseram conhecer a tua história, talvez na real proporção dos que sempre te apoiaram e se empenharam em te aquecer o coração, no último troço da estrada que percorreste. O que realmente sofreste só tu poderias dizer. Mas para ti estava reservado outro destino que te fez partir, quase menino, para um plano diferente e elevado, onde Seres de Luz te receberam e estenderam os braços para te conduzir. Aí, onde o tempo tem outra dimensão, Estende a tua mão E toca-me no rosto, devagar. Assim, eu posso sentir a tua presença ausente e aliviar a imensa saudade que me invade quando recordo o teu sorriso doce.

Para o Danny, para o Djonda e para tantos outros que morreram longe de Cabo Verde, mas que foram amados e amparados na “terra longe”, sendo hoje recordados com saudade.

Teresa Noronha Julho/2005

2006-11-15 19:05:51

ELIZABETH

> Postal de Lisboa

ANTES DE MAIS GOSTARIA DE FELICITAR ESTA SENHORA, REALMENTE O ABANDONO, A SOLIDÃO FAZ O DOENTE SE SENTIR DEPRIMIDO E AGRAVA O SEU ESTADO DE SAÚDE.SE TODOS PODESSEM FAZER O QUE ESTA SENHORA FEZ, LEVAR O CONFORTO, O CARINHO A AMIZADE PARA ESSES LARES A VIDA DESSAS PESSOAS SERIA MELHOR, O MUNDO SERIA MELHOR.FORÇA

POSTAL DE LISBOA

2006-11-15 10:28:20

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